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Pontífice foi duro, diz d. Pedro Casaldáliga
Frederico Vasconcelos
da reportagem local 
D. Pedro Casaldáliga, 77, punido durante o pontificado de João Paulo 2º por 
sua atuação progressista como bispo de São Félix do Araguaia (MT), não acredita 
numa mudança significativa na igreja: "Minha impressão é que a imensa maioria 
dos cardeais é de uma linha mais ou menos conservadora, de continuidade".
Casaldáliga diz que a igreja foi "dura" e "injusta" com os teólogos da 
libertação e que as ações em favor das minorias, pelas comunidades eclesiais de 
base, foram vistas pelo Vaticano com "desconfiança" e "reticência".
No sábado à noite, ele rezou pelo papa: "Tenho confiança de que ele está na 
glória". Sofrendo do mal de Parkinson, a mesma doença que afligiu João Paulo 2º 
, hipertenso e sobrevivente a várias operações e a 18 ataques de malária, d. 
Pedro Casaldáliga mantém o bom humor. Diz que é um "cavalo velho, um pouco 
cansado". O bispo espanhol relembra o encontro com o papa de origem polonesa, 
após ter sido interrogado por cardeais no Vaticano. Karol Wojtyla o abraçou e 
disse em português: "É para que veja que não sou nenhuma fera".
Folha - Qual é a sua esperança em relação ao futuro pontificado?
D. Pedro Casaldáliga - Vou ser bem sincero. Eu não tenho esperança de 
uma mudança significativa. Minha impressão é que a imensa maioria dos cardeais é 
de uma linha mais ou menos conservadora, de continuidade, sobretudo no [aspecto] 
teológico, no canônico, dentro da igreja. Mas cada papa tem um estilo. De vez em 
quando acontecem surpresas... 
Folha - O sr. tem pregado uma revisão do exercício do papado e do poder da 
Cúria. Quais seriam as principais mudanças?
Casaldáliga - Fundamentalmente, que o Vaticano deixasse de ser Estado. O 
papa deixaria de ser chefe de Estado. Que a Cúria se simplificasse o mais 
possível, e se concedesse mais autonomia às conferências episcopais, às igrejas 
particulares, ou seja, as dioceses, as prelazias. Que se estimulasse o 
ecumenismo, um diálogo entre as religiões e entre as culturas, sobretudo no 
Terceiro Mundo. Que houvesse uma atitude de sensibilidade máxima com o 
sofrimento da humanidade, de cooperação com todas as entidades que lutam pela 
justiça, pela paz, pela ecologia. E que se atendesse melhor às reivindicações 
dos leigos, sobretudo no que se refere à mulher. Uma confiança maior com 
respeito aos servos que abrem caminhos, seja na Teologia da Libertação, na 
teologia feminista, na teologia negra, na teologia indígena, no diálogo 
interreligioso. 
Folha - Como foi o pontificado de João Paulo 2º, nesse aspecto?
Casaldáliga - No pontificado de João Paulo 2º, a Cúria foi dura. E às 
vezes, com todo o respeito, acho que foi até injusta com os teólogos da 
libertação, da inculturação e do diálogo interreligioso. 
Folha - O pontificado muito longo é ruim para a missão da igreja?
Casaldáliga - Eu continuo achando que os papas, como os bispos, deveriam 
renunciar numa idade determinada. Eu não acredito em cargos vitalícios, nem na 
sociedade nem na igreja. 
Folha - Quais foram os reflexos da igreja de João Paulo 2º sobra a sua 
prelazia e sobre a sua atividade?
Casaldáliga - Só desconfiança com respeito à Teologia da Libertação. E 
só reticência com respeito às comunidades eclesiais de base. Houve um 
relacionamento tenso entre o Vaticano e a CNBB [Conferência Nacional dos Bispos 
Brasileiros]. Entre a igreja da libertação da América Latina e o Vaticano. Por 
outra parte, o próprio papa mandou à assembléia da CNBB aquela famosa carta na 
qual dizia que a Teologia da Libertação era não só útil, mas necessária. 
Folha - Como foram os seus contatos pessoais com ele?
Casaldáliga - Estive com ele em várias ocasiões. Fiz uma visita, depois 
de ter escrito uma carta longa. Foi na década de 80... 
Folha - Como ele o recebeu?
Casaldáliga - Com bastante atenção. Eu já havia sido interrogado pelos 
cardeais sobre vários pontos. O papa tinha todo dossiê das minhas interrogações. 
Conversamos um pouco... 
Folha - O que ele disse?
Casaldáliga - Ele teve um gesto. Num momento determinado, ele abriu os 
braços, como quem quer mostrar o desarme, e falou, em português: "É para que 
veja que não sou nenhuma fera".