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Latinoamérica



"SE LULA NÃO FIZER A REFORMA, FICARA DESMORALIZADO"


Stédile espera que presidente cumpra promessa de assentar 410 mil famílias.

Por Roldão Arruda,
Jornal Estado de São Paulo

O principal líder do Movimentos dos Sem terra (MST) o economista João Pedro Stedile, mantem a esperança de que o Presidente Luis Inácio Lula da silva cumpra a promessa, explicitada no Plano nacional de Reforma agrária, de assentar 410 mil famílias até o fim do seu mandato. Não só por causa dos seus compromissos históricos com a causa, ma também porque ficaria "desmoralizado" se não o fizesse.
Na entrevista abaixo, Stedile critica a política econômica do ministro da fazenda, Antonio Palloci, que, na sua opinião só serve para enriquecer mais os banqueiros; e que diz que as coisas só vão mudar com mobilização popular.


Estado – Fevereiro está terminando e até agora o governo não definiu de onde virão os recursos para a execução do Plano Nacional de Reforma Agrária anunciado no ano passado. O senhor acha que o governo vai atingir as metas que propôs?
João Pedro Stédile –
O governo tem um compromisso histórico, não só com o MST, mas com a sociedade brasileira, de que precisa fazer a reforma agrária. Se o governo Lula não tiver capacidade para fazer essa reforma, que é a mais simples das reformas capitalistas, para distribuir renda, cairá numa desmoralização total. Acreditamos que ele mantém esse compromisso e é nosso aliado, ao lado de toda a sociedade, para derrotar o latifúndio. É impossível construir uma sociedade democrática e justa enquanto existirem latifúndios com 10 mil, 50 mil hectares, alguns deles com trabalho escravo. Dos 350 milhões de hectares cultiváveis existentes no País, cultivamos apenas 50 milhões. Uns 30 milhões pela turma do Roberto Rodrigues, do agronegócio, e outros 20 milhões pela pequena propriedade, que abastece o mercado interno. O resto é um imenso latifúndio especulativo ou pecuária intensiva, que precisam ser atacados.

Estado – Há poucos dias o senhor participou de um encontro de representantes de movimentos sociais, que concluiu ser impossível o governo atingir suas metas na área social com a atual política econômica.
Stédile –
Os movimentos sociais, das pastorais sociais até o movimento sindical, consideram que a atual política econômica está limitada aos parâmetros de manutenção dos interesses e das vantagens do capital financeiro. Não temos inflação, temos estabilidade macroeconômica, mas não conseguimos dar uma solução para os problemas sociais. De que adianta estabilidade se os problemas do povo só aumentam?

Estado – O que os movimentos propõem?
Stédile –
Defendemos um projeto de desenvolvimento capaz de superar o feijão-com-arroz do Palocci, que vem fazendo o mesmo que as elites fizeram em vinte anos, pagando juros e controlando a inflação. Os banqueiros enriquecem, as indústrias quebram e o povo não tem trabalho. É preciso uma política de investimentos que priorize a indústria de consumo de massa, adote medidas de distribuição de renda, valorizando os salários, para que o povo tenha trabalho e renda e assim se forme um amplo mercado interno consumidor.

Estado – O presidente Lula pensa diferente. Ele tem dito que é possível combater o desemprego com ajustes nessa política econômica.
Stédile –
O consenso de todos os movimentos sociais é de que é preciso mudar. O vice-presidente e vários ministros pensam como nós. Acho que o presidente também deve pensar.
Um dos problemas que ele enfrenta é que o Estado não está preparado para executar reformas. É um estado contra reformas.
Vi com otimismo a noticia de que o ministro (da Casa civil) Zé Dirceu iria tomar conta do Incra e da Funai e fazer uma reforma administrativa. Ela é urgente.

Estado – Se houvesse mudanças, por onde deveriam começar?
Stédile –
Poderia ser pelo controle da taxa de juros, para que ficasse no mesmo nível da americana. Já que copiam tanto os Estados Unidos, podiam copiar o nível da taxa de juros. Em segundo lugar, o superávit primário do Orçamento não deveria ser aplicado em pagamento de juros da dívida interna, que pode ser paga com novos títulos e ir rolando. Essa dinheirama deveria ir rigorosamente para investimentos produtivos, em fábricas que gerem trabalho e salários e que produzam para o mercado interno. Por outro lado, os recursos públicos deveriam ser concentrados em áreas que melhoram as condições de vida do povo e ativam a economia, como a reforma agrária e a agricultura familiar, a educação, a saúde.

Estado- Como vê o envolvimento do nome de Dirceu no escândalo Waldomiro Diniz?
Stedile-
Em primeiro lugar, defendo que toda contravenção, praticada nesse governo ou nos anteriores, deve ser apurada e punida. Em segundo, acho que houve uma super exploração jornalística. A chamada grande imprensa buscou atingir o ministro e manter o governo Lula acuado. Isso revela o grau de manipulação que a concentração do poder da mídia pode chegar. Em terceiro lugar, o governo agiu bem ao fechar os bingos. Deveria ter feito isso bem antes, como fez o governador Requião, do Paraná.

Estado – O senhor não acha que ficou mais difícil defender a bandeira da reforma agrária diante dos sucessos que o agronegócio vem acumulando?
Stédile –
Entre as alternativas que temos na busca de uma política de pleno emprego, que é necessária e urgente, a reforma agrária é a mais barata, a mais rápida e a que atinge a população mais pobre e desprovida. O chamado setor do agronegócio, que se dedica à exportação, está aumentando a produção de soja, laranja e cana. Mas isso é uma renda concentrada. Aumenta apenas a riqueza dos que já são ricos. Não aumenta o emprego. Nem o consumo de máquinas. Na década de 70, quando o crédito rural era mais barato e democrático, os camponeses compravam tratores, e o Brasil vendia ao redor de 75 mil unidades de tratores por ano. Passados trinta anos, com toda essa propaganda do agronegócio, no passado a indústria vendeu 40 mil unidades. É esse o modelo que vocês querem?

Estado – Não acha que o estreitamento de relações do governo com o PMDB, onde se concentra um número significante de representantes dos ruralistas, enfraquece a bandeira da reforma agrária?
Stédile –
A reação dos latifundiários contra a reforma é uma posição de classe, não de partido. Temos políticos de diferentes partidos que defendem a reforma porque sabem de sua importância. Temos até dirigentes de multinacionais, que acreditam nisso. Achei brilhante uma recente entrevista do gerente geral da Pirelli, na revista Carta Capital, quando ele fez uma defesa contundente da reforma agrária.

Estado – O senhor tem elogiado com certa freqüência o presidente do BNDES. Por que?
Stédile –
Tenho lido as declarações do Carlos Lessa e sinto que ele também está ansioso por mudanças na política econômica. Vi ele advogar, na frente do presidente do Banco Central, que o Brasil não cresce e não se desenvolve enquanto mantiver taxas de juros reais acima de 5% ao ano.

Estado – O presidente do BNDES não é o único. Em diferentes do governo há vozes discordantes sobre temas cruciais. Nem todos os ministros estão de acordo, por exemplo, com a reforma agrária nos moldes defendidos pelo MST.
Stédile –
Na eleição passada a população votou por mudanças, contra o neoliberalismo. O governo, no entanto, não tem uma composição unitária. Temos ministros neoliberais, ministros meio a meio, que apenas pensam em reformas parciais, e ministros comprometidos com um projeto popular. Mas essa não é a questão mais importante. No fundo, a disputa interna reflete uma disputa que existe na sociedade. O problema real é a definição de um projeto para o País. O governo sozinho não tem forças para provocar uma inflexão e implantar um novo projeto.

Estado – Parece que os movimentos sociais também não têm forças, neste momento, para impor mudanças na política econômica.
Stédile –
Você tem razão. Temos todas as condições objetivas para mobilizar o povo, porque os problemaas aumentaram. A cada anúncio de emprego aparecem milhares de pessoas, em filas intermináveis. A cada chuvarada morre gente, por falta de condições dignas de moradia e porque o serviço público foi sucateado. No entanto, os movimentos de massa vivem um período de descenso, que se prolonga desde 1989. Nossa tarefa é fazer uma trabalho permanente de pedagogia de massas, estimular o povo para que se conscientize, se mobilize, debate um novo projeto para a sociedade e lute. Sem mobilização popular não haverá mudanças.

Estado – Isso significa que estão tentando acumular forças?
Stédile –
O momento não é de plantar alface. É de plantar árvores. Um dia desses elas começam a dar frutos.
FIM