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Brasil
Quando o desemprego favorece o lucro
Pesquisa de metalúrgicos do Rio Grande do Sul revela
que indústrias forçam "rotatividade" na força de trabalho, para baratear custo
da mão-de-obra
Renato Godoy de Toledo
Brasil de Fato
http://www.brasildefato.com.br/
No Brasil, a margem de lucro dos proprietários da indústria cresce todos os
anos, constituindo-se como uma das mais amplas do mundo. E boa parte deste êxito
dos industriais é baseado no achatamento da renda dos trabalhadores. Essas
constatações são possíveis à luz de um estudo do Departamento Intersindical de
Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), encomendado pela Federação dos
Metalúrgicos do Rio Grande do Sul para dar subsídios à categoria na formulação
de suas reivindicações.
A pesquisa é direcionada às condições do trabalhador em indústrias metalúrgicas
no Rio Grande do Sul. No entanto, aponta tendências que não se restringem ao
Estado. Um dado que se destaca é o que coloca um outro olhar sobre o discurso de
que a distribuição de renda está crescendo no país. De fato, se levarmos em
conta apenas a renda dos trabalhadores, pode-se notar que a desigualdade
diminuiu, porque aqueles que recebiam mais tiveram seus salários reduzidos,
aproximando-se daqueles que ganham menos. Mas quando se faz a comparação entre a
renda do capital e a do trabalho, a realidade é bem distinta: os lucros crescem,
enquanto a participação do trabalhador na riqueza produzida no país está em
declínio.
Outro fenômeno destacado pelo estudo é o da alta rotatividade da força de
trabalho na indústria. No geral, essa rotatividade não se dá por incompetência
dos demitidos ou por uma "reciclagem" no quadro dos funcionários – para usar o
jargão corporativo –, mas sim para reduzir o custo da força de trabalho.
Entre março de 2006 e fevereiro de 2007, a indústria do Rio Grande do Sul
demitiu 50.664 trabalhadores e admitiu 56.216. À primeira vista, o dado parece
favorável aos trabalhadores, com abertura de novas vagas. Ocorre que os
operários demitidos recebiam em média R$ 952, enquanto os admitidos ganham R$
781.
Situação Macroeconômica
A redução salarial apresenta-se como uma das principais facetas deste período
econômico do país. Desde 2000, o Brasil interrompeu um período de parca geração
de empregos formais; porém, cerca de 90% dos empregos abertos oferecidos
atualmente têm remuneração de até 2 salários mínimos (R$ 760), segundo Márcio
Pochmann, economista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
O presidente da Federação dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul, Milton Viário,
acrescenta que esse problema não se restringe aos setores de menor
especialização. "A diminuição dos salários também atinge os supervisores,
técnicos e engenheiros", afirma Viário, com base na pesquisa encomendada pela
federação.
Dados do IBGE comprovam a redução da massa salarial dos trabalhadores. Em 1990,
na distribuição funcional da renda nacional, a remuneração dos trabalhadores era
equivalente a 58,2%, enquanto o excedente operacional bruto (o lucro do capital)
era de 41,8%. Paulatinamente, durante a década de 1990, o lucro do capital foi
superando a remuneração dos trabalhadores. Na última aferição do IBGE, em 2003,
a distribuição da renda funcional era composta por 54,7% de lucro do capital e
42,3% de remuneração dos trabalhadores. A título de exemplo, em 2001, a
distribuição da renda funcional do Japão, que produz mercadorias com alto valor
agregado, era constituída por 76,3% de remuneração do trabalhador e 23,7% de
excedente operacional bruto.
Posição no mercado mundial
Para Pochmann, este quadro vem se consolidando desde 1999, quando o governo de
Fernando Henrique Cardoso substituiu a política de câmbio fixo pelo câmbio
flutuante, acarretando numa alta do dólar e, na seqüência, dando força às
exportações, em detrimento das importações. A divisão internacional do trabalho,
ainda segundo o economista, impõe às indústrias de países exportadores de
produtos de baixo valor agregado - caso do Brasil - uma diminuição do preço da
força de trabalho para se inserir de forma mais competitiva no mercado mundial,
oferecendo produtos com preços baixos.
"As empresas, nesse ambiente de muita competitividade e sem condições adequadas
para poder competir, acabam governando as variáveis sobre as quais elas têm
poder de decisão. Nesse sentido, o emprego é uma das principais variáveis de
ajuste. E, para isso, as empresas, além de abrir empregos de remuneração muito
baixa se utilizam recorrentemente dessa chamada 'rotatividade'", avalia o
economista.
Se o setor produtivo brasileiro continuar exercendo o papel de produtor e
exportador de matéria-prima, a organização da produção e o tipo de emprego
gerado devem permanecer da mesma forma. "O Brasil está produzindo soja e
exportando soja, não está exportando produtos da soja, que seriam produtos que
valorizariam a cadeia produtiva e abririam a perspectiva de abertura de empregos
de maior qualidade e maior remuneração", exemplifica. (leia mais na edição 231
do jornal Brasil de Fato)
Fuente: lafogata.org