Africa: Uma advertência...
A nova grande estratégia imperial dos EUA
John Bellamy Foster *
Resistir.info http://resistir.info/
Monthy Review http://www.monthlyreview.org/0606jbf.htm
O imperialismo é uma constante do capitalismo. Mas ele passa através de várias
fases à medida que o sistema evolui. Na actualidade o mundo está a experimentar
uma nova era de imperialismo assinalado por uma grande estratégia americana de
dominação global. Uma indicação de quanto mudaram as coisas é o facto de que os
militares americanos agora são verdadeiramente globais nas suas operações, com
bases permanentes em todos os continentes, incluindo a África onde uma nova luta
por controle está a ter lugar com enfoque no petróleo.
A opinião da elite nos Estados Unidos na década imediatamente a seguir ao
colapso da União Soviética muitas vezes denunciava a ausência de uma grande
estratégia americana comparável àquela que George Kennan etiquetou como de "contenção",
sob o manto da qual os Estados Unidos intervieram em toda a parte durante os
anos da Guerra Fria. A questão chave, tal como colocada em Novembro de 2000 pelo
analista de segurança nacional Richard Haass, era a de determinar como os
Estados Unidos deveriam utilizar o seu presente "excesso de poder" para
remodelar o mundo. A resposta de Haass, que sem dúvida contribuiu para que logo
a seguir fosse contratado como director da política de planeamento no
Departamento de Estado de Colin Powell na nova administração Bush, era promover
uma estratégia da "América Imperial" destinada a assegurar a predominância
global americana durante as décadas seguintes. Poucos meses antes uma grande
estratégia semelhante, se bem que ainda mais cruamente militarista, fora
apresentada pelo Project for the New American Century, num relatório assinado
pelas futuras figuras de topo da administração Bush, Donald Rumsfeld, Paul
Wolfowitz e Lewis Libby, dentre outros. [1]
Esta nova grande estratégia imperial tornou-se realidade, a seguir aos ataques
do 11 de Setembro de 2001, nas invasões americanas do Afeganistão e do Iraque —
e passou logo a ser venerada na declaração de 2002 da Estratégia de Segurança
Nacional da Casa Branca. Concluindo a nova investida imperial na Harvard
Magazine, Stephen Peter Rosen, director do Olin Institute for Strategic Studies
de Harvard e membro fundador do Project for the New American Century, escreveu:
Uma unidade política que superioridade esmagadora em poder militar, e utiliza
tal poder para influenciar o comportamento interno de outros estados, é chamada
um império. Como os Estados Unidos não procuram controlar território ou governar
os cidadãos do império além mar, somos um império indirecto mas, temos de
admitir, no entanto um império. Se isto é correcto, nosso objectivo não é
combater um rival, mas manter nossa posição imperial e manter a ordem imperial.
O planeamento para guerras imperiais e diferente do planeamento para guerra
convencionais internacionais... Guerras imperiais para restaurar a ordem não são
tão forçadas [por considerações de dissuasão]. A quantidade máxima de força
poderia e deveria ser usada tão rapidamente quando possível para impacto
psicológico — para demonstrar que o império não pode ser desafiado com
impunidade... A estratégia imperial focaliza-se em prevenir a emergência de
rivais poderosos e hostis ao império: pela guerra se necessário, mas também pela
assimilação imperial se possível. [2]
Comentando em fins de 2002 na Foreign Policy, John Lewis Gaddis, professor de
história militar e naval em Yale, declarou que o objectivo da guerra iminente ao
Iraque era infligir uma "Agincourt na margens do Eufrates". Isto seria uma
demonstração de poder tão grande que, tal como na famosa vitória de Henrique V
no século XV em França, a paisagem geopolítica seria alterada durante as décadas
seguintes. O que em última análise estava em causa, segundo Gaddis, era "a
administração do sistema internacional por uma única hegemonia" — os Estados
Unidos. Este assegurar da hegemonia sobre todo o mundo pelos Estados Unidos por
meio de acções antecipativas (preemptive) era, argumentou ele, nada menos que "uma
nova grande estratégia de transformação". [3]
A NATUREZA DA GRANDE ESTRATÉGIA
Desde o tempo de Clausewitz, as tácticas têm sido concebidas nos círculos
militares como "a arte de utilizar tropas na batalha" e a estratégia como "a
arte de utilizar batalhas para vencer uma guerra". [4] Em contraste, a ideia de
"grande estratégia" promovida classicamente por estrategas e historiadores
militares, tais como Edward Meade Earle e B. H. Liddel Hart, referem-se à
integração do potencial de fazer a guerra de um estado com as suas finalidades
políticas e económicas mais vastas. Como observou o historiador Paul Kennedy em
Grand Strategies in War and Peace (1991): "uma verdadeira grande estratégia"
está "preocupada com a paz tanto quanto (talvez mesmo mais ainda) com a
guerra... com a evolução ou integração de políticas que deveriam vigorar durante
décadas, ou mesmo séculos". [5]
Grandes estratégias são geopolíticas na orientação, conformadas para a dominação
de regiões geográficas inteiras — incluindo recursos estratégicos como minérios
e vias navegáveis, activos económicos, populações e posições militares vitais. A
maior parte das grandes estratégias com êxito vistas no passado foram aquelas de
impérios duradouros, os quais foram capazes de manter o seu poder sobre grandes
espaços geográficos durante extensos períodos de tempo. Portanto, os
historiadores da grande estratégia habitualmente o Império Britânico no século
XIX (Pax Britannica) e também o antigo Império Romano (Pax Romana).
Para os Estados Unidos hoje o que está em jogo já não é o controle de uma
simples porção do globo, mas uma Pax Americana verdadeiramente global. Embora
alguns comentadores tenham visto a mais recente investida imperial americana
como obra de uma pequena cabala de neoconservadores dentro da administração
Bush, a realidade é a de uma vasta concordância dentro da estrutura de poder
americana acerca da necessidade de expandir o império dos EUA. Uma colecção
recente, incluindo contribuições de críticos da administração, intitula-se The
Obligation of Empire: United States' Grand Strategy for a New Century. [6]
Ivo. H. Daadler (investigador senior na Brookings Institution e ex-conselheiro
de política externa de Howard Dean) e James M. Lindsay (vice-presidente do
Council on Foreign Relations, empregado anteriormente pelo National Security
Council de Clinton) argumenta no seu livro America Unbound que os Estados Unidos
há muito têm um "império secreto", disfarçado pelo multilateralismo. A política
unilateral da Casa Branca de Bush de construir o "império só sobre o poder
americano" mudou as coisas só na medida em que jogou fora o carácter escondido
do império e reduziu sua força global ao confiar menos nos estados vassalos.
Segundo Daadler e Lindsay, os Estados Unidos agora estão sob o comando de
pensadores "hegemonistas" que querem assegurar que os Estados Unidos dominam
todo o globo, tanto no seu auto-interesse nacional como com o objectivo de
remodelar o mundo em sintonia com o "imperialismo democrático". Mas uma postura
tão agressiva, destacam eles, não está fora dos limites históricos da política
americana. Um impulso imperial unilateralista pode ser rastreada desde Theodore
Roosevelt e estava presente desde o princípio da era da Guerra Fria nas
administrações Truman e Einsenhower. Apesar disso, Daadler e Lindsay apresentam
a possibilidade de uma estratégia mais cooperativa, com as outras grandes
potências a alinharem-se por trás dos Estados Unidos, como uma abordagem
superior para administrar um império. [7]
Tal imperialismo cooperativo, contudo, torna-se mais difícil de alcançar uma vez
que o poder hegemónico começa a desvanecer-se. Não só os Estados Unidos estão a
sofrer uma competição económica acrescida como, com o fim da União Soviética, a
aliança NATO enfraqueceu os vassalos europeus de Washington que nem sempre
seguem sua liderança, ainda que não sejam capazes de desafiá-la directamente. A
tentação que confronta uma potência hegemónica em declínio — ainda armada e
perigosa — em tais circunstâncias é tentar reconstruir e mesmo expandir seu
poder actuando unilateralmente e monopolizando as pilhagens (spoils).
A GUERRA PELO 'NOVO SÉCULO AMERICANO'
O capitalismo é um sistema em escala mundial no âmbito económico mas dividido
politicamente em estados competidores que se desenvolvem economicamente a
diferentes taxas. A contradição do desenvolvimento capitalista desigual foi
expressa classicamente por Lenin em 1916, em Imperialismo, etapa superior do
capitalismo.
Não pode haver nenhuma outra base concebível sob o capitalismo para a divisão de
esferas de influência, de interesses, de colónias, etc do que um cálculo da
força dos participantes na divisão, da sua fortaleza económica, financeira,
militar, etc. E a fortaleza destes participantes na divisão não muda num grau
igual, pois sob o capitalismo o desenvolvimento de diferentes empreendimentos,
trusts, ramos de indústria ou países não pode ser igual. Meio século atrás, a
Alemanha era um país miserável e insignificante, no que se refere à sua
fortaleza capitalista, em comparação com a fortaleza da Inglaterra daquele
tempo. O Japão era analogamente insignificante em comparação com a Rússia. Será
"concebível" que num espaço de tempo de dez ou vinte anos a fortaleza relativa
das potências imperialistas venha permanecer imutável? É absolutamente
inconcebível. [8]
Actualmente é amplamente reconhecido que o mundo está a experimentar uma
transformação económica global. Não só arrefece a taxa de crescimento da
economia global como um todo como a fortaleza relativa dos Estados Unidos
continua a enfraquecer. Em 1950 os Estados Unidos representavam cerca da metade
do PIB mundial, caindo para pouco mais de um quinto em 2003. Da mesma forma,
representava quase a metade do stock mundial de investimento directo estrangeiro
em 1960, comparado com pouco mais de 20 por cento no princípio deste século.
Segundo projecções da Goldman Sachs, a China poderia ultrapassar os Estados
Unidos como a maior economia do mundo em 2039. [9]
Esta ameaça crescente à potência americana está a alimentar a obsessão de
Washington com o assentar dos fundamentos para um "Novo século americano". O seu
actual intervencionismo é destinado a aproveitar o seu actual primado económico
e militar a curto prazo para assegurar activos estratégicos que proporcionarão
garantias a longo prazo de supremacia global. O objectivo é estender o poder
americano directamente e ao mesmo tempo privar competidores potencial daqueles
activos estratégicos vitais que possam permitir-lhes finalmente desafiá-lo
globalmente ou mesmo dentro de regiões particulares.
The National Security Strategy of the United States de 2002 deu notícia de que "Nossas
forças serão suficientemente fortes para dissuadir adversários potenciais de
buscar um fortalecimento militar na esperança de ultrapassar , ou igualar, o
poder dos Estados Unidos". Mas grande estratégia estende-se para além de simples
poder militar. Vantagens económicas em relação a rivais potenciais são a moeda
real da competição inter-capitalista. Portanto, a grande estratégia americana
integra o poder militar com a luta pelo controle de capitais, comércio, o valor
do dólar e matérias-primas estratégicas.
O ordenamento mais claro dos objectivos da estratégia americana talvez tenha
sido proporcionado por Robert J. Art, professor de relações internacionais em
Brandeis e investigador associado do Olin Institute, em A Grand Strategy for
America. "Uma grande estratégia", escreve ele, "conta aos líderes de uma nação
que objectivos deveriam eles atingir e como podem utilizar melhor a potência
militar do seu país para atingir estes objectivos". Ao conceptualizar uma tal
grande estratégia para os Estados Unidos, Art apresenta seis "interesses
nacionais dominante" por ordem de importância:
Primeiro, impedir um ataque sobre o solo americano
Segundo, impedir uma guerra euro-asiáticas de grandes potências e, se possível,
as intensas competições de segurança que as tornam mais prováveis
Terceiro, preservar o acesso a um abastecimento de petróleo a preços razoáveis e
seguro
Quarto, preservar uma ordem económica internacional aberta
Quinto, promover a difusão da democracia e o respeito pelos direitos humanos no
exterior, e impedir o genocídio ou o assassínio em massa em guerras civis
Sexto, proteger o ambiente global, especialmente dos efeitos adversos do
aquecimento global e mudanças climáticas severas.
Após a adequada defesa nacional, i.e., a defesa "da pátria" contra ataque
externo, as três mais importantes prioridades estratégicas seguintes são então:
(1) o tradicional objectivo geopolítico da hegemonia sobre a área central
euro-asiática encarada como a chave para o poder mundial, (2) assegurar o
controle sobre os abastecimentos mundiais de petróleo, e (3) promover relações
económicas capitalistas globais.
A fim de cumprir estes objectivos, argumenta Art, Washington deveria "manter
forças em bases avançadas" na Europa e na Ásia Oriental (as duas bordas da
Eurásia com grandes concentrações de poder) e no Golfo Pérsico (contendo o
grosso das reservas mundiais de petróleo). "A Eurásia é o lar da maior parte dos
povos do mundo, da maior parte das suas reservas provadas de petróleo, e a maior
parte das suas potências militares, assim como de uma grande proporção do seu
crescimento económico". É portanto crucial que a grande estratégia imperial
americana esteja destinada a fortalecer sua hegemonia nesta região, a principiar
pelas regiões petrolíferas chave da Ásia Sul e Central. [10]
Com as guerras em curso e as ocupações do Afeganistão e do Iraque ainda não
resolvidas, Washington tem estado a aumentar suas ameaças de um ataque "antecipativo"
ao mais poderoso vizinho destes estados, o Irão. A principal justificação
apresentada para isto é o programa de enriquecimento de urânio do Irão, o qual
poderia finalmente permitir-lhe desenvolver capacidades em armas nucleares. Mas
há outras razões para os Estados Unidos estarem interessados no Irão. Tal como o
Iraque, o Irão é um importante produtor de petróleo, agora com a segunda maior
reservada provada de petróleo, atrás da Arábia Saudita e à frente do Iraque. O
controle do Irão é assim crucial para o objectivo de Washington de dominar o
Golfo Pérsico e o seu petróleo.
A importância geopolítica do Irão, além disso, estende-se muito para além do
Médio Oriente. Ele é uma peça chave (como é o caso também do Afeganistão) no
Novo Grande Jogo pelo controle de toda a Ásia Sul-Central, incluindo a Bacia
Marítima do Cáspio com suas enormes reservas de combustíveis fósseis. Os
planeadores estratégicos americanos estão obcecados com os temores de uma rede
de segurança energética asiática, na qual a Rússia, a China, o Irão e os países
da Ásia Central (incluindo possivelmente também o Japão) ficariam economicamente
juntos e dentro de um acordo energético para romper a camisa de força americana
e ocidental sobre o mercado mundial do petróleo e do gás — criando as bases para
uma tranferência geral do poder mundial para o Leste. No momento a China, a
economia em mais rápido crescimento do mundo, carece de segurança energética
apesar de a sua procura por combustíveis fósseis estar em crescimento rápido.
Ela está a tentar resolver isto parcialmente através de maior acesso aos
recursos energéticos do Irão e dos estados da Ásia Central. As recentes
tentativas americanas de estabelecer uma aliança mais forte com a Índia, com
Washington a sustentar o status da Índia como potência nuclear, são claramente
parte deste Novo Grande Jogo pelo controle da Ásia Sul-Central — rememorativo do
Grande Jogo do século XIX entre a Grã-Bretanha e a Rúsia pelo controle desta
parte da Ásia. [11]
A NOVA DISPUTA PELA ÁFRICA
Se há um Novo Grande Jogo em marcha na Ásia há também uma "Nova Disputa pela
África" da parte das grandes potências. [12] The National Security Strategy of
the United States de 2002 declarou que "combater o terror global" e garantir a
segurança energética americana exigiam que os Estados Unidos aumentassem seus
compromissos para com a África e apelava a "coligações de vontades" para gerar
acordos de segurança regional naquele continente. Logo a seguir o U.S. European
Command, com base em Stuttgart, Alemanha — responsável pelas operações militares
americanas na África Sul-Saariana — aumentou suas actividades na África
Ocidental, centrando-se naqueles estados com produção de petróleo substancial e
ou reservas no ou em torno do Golfo da Guiné (que se estende aproximadamente da
Costa do Marfim até Angola). O Comando Europeu dos militares americanos agora
dedica 70 por cento do seu tempo a assuntos africanos, um salto em relação à
actividade quase nula até 2003. [13]
Como destacado por Richard Haass, agora presidente do Council on Foreign
Relations, no seu prefácio ao relatório de 2005 do Conselho intitulado More Than
Humanitarianism: A Strategic U.S. Approach Toward Africa: "No fim da década a
África sub-saariana provavelmente tornar-se-á tão importante como fonte de
importações energéticas americanas quanto o Médio Oriente". [14] A África
Ocidental tem uns 60 mil milhões de barris de reservas provadas de petróleo. Seu
petróleo tem baixo conteúdo de enxofre, uma característica apreciada pela
economia americana. Agências americanas e think tanks prevêm que um em cada
cinco novos barris de petróleo a entrarem na economia global na segunda metade
desta década virá do Golfo da Guiné, elevando sua participação de 15 para mais
de 20 por cento em 2010, e 25 por cento em 2015. A Nigéria já abastece os
Estados Unidos com 10 por cento do seu petróleo importado. Angola fornece 4 por
cento das importações americanas de petróleo, as quais poderiam duplicar no fim
da década. A descoberta de novas reservas e a expansão da produção petrolífera
estão a tornar outros estados na região em grande exportadores de petróleo,
inclusive a Guiné Equatorial, São Tomé e Príncipe, Gabão, Camarões e Chad. A
Mauritânia está destinada a emergir como exportador de petróleo em 2007. O Sudão,
delimitado pelo Mar Vermelho a leste e o Chad a oeste, é um importante produtor
de petróleo.
Actualmente a principal base militar americana permanente na África é aquela
estabelecida em 2002 no Djibouti, no Corno da África, dando aos Estados Unidos
controle estratégico da zona marítima através da qual passa um quarto da
produção mundial de petróleo. A base no Djibouti também está muito próxima do
oleoduto sudanês. (Os militares franceses tiveram uma prolongada grande presença
no Djibouti e também têm uma base aérea em Abeche, Chad, na fronteira sudanesa).
A base no Djibouti permite aos Estados Unidos dominarem o extremo oriental da
vasta faixa de petróleo que atravessa a África e que é agora considerada vital
para seus interesses estratégicos — uma extensa faixa que vai do sudoeste a
partir do oleoduto de 994 milhas (1600 km) Higleig-Porto Sudão a leste até o
oleoduto de 640 milhas (1030 km) Chad-Camarões e o Golfo da Guiné a ocidente.
Uma nova operação em andamento de localização no Uganda dá aos Estados Unidos o
potencial para dominar o Sudão meridional, onde está a ser descoberta a maior
parte do petróleo daquele país.
Na África Ocidental, o Comando Europeu dos militares americanos estabeleceu
agora locais de operação avançada no Senegal, Mali, Gana e Gabão — assim como na
Namíbia, junto à fronteira sul de Angola — o que envolve melhorias de
aeródromos, o pré-posicionamento de abastecimentos críticos e combustível, e o
acesso a acordos para a instalação rápida de tropas americanas. [15] Em 2003 ele
lançou um programa de contra-terrorismo na África Ocidental, e em Março de 2004
Forças Especiais dos EUA estiveram directamente envolvidas numa operação militar
com países do Sahel contra Grupo Salafista por Pregação e Combate — na lista de
organizações terroristas de Washington. O Comando Europeu dos EUA está a
desenvolver um sistema de segurança costeira no Golfo da Guiné chamado Gulf of
Guinea Guard. Também tem estado a planificar a construção de uma base naval
americana em São Tomé e Príncipe, a qual o Comando Europeu deu a entender que
poderia rivalizar com a base naval americana de Diego Garcia no Oceano Índico. O
Pentágono está portanto a mover-se agressivamente para estabelecer uma presença
militar no Golfo da Guiné que lhe permitirá controlar a parte ocidental da vasta
faixa petrolífera trans-africana e as reservas vitais de petróleo que agora
estão a ser descobertas ali. A Operação Flintlock, um primeiro exercício militar
americano na África Ocidental em 2005, incorporou 1000 Forças Especiais
americanas. O Comando Europeu americano irá conduzir exercícios neste verão para
a sua nova força de reacção rápida do Golfo da Guiné.
O indicador aqui é seguir o comércio: todas as grandes corporações petrolíferas
americanas e ocidentais estão a disputar o petróleo da África Ocidental e a
exigir segurança. O Comando Europeu dos militares americanos, relatou o Wall
Street Journal no número de 25 de Abril, também está a trabalhar com a Câmara de
Comércio dos EUA para expandir o papel das corporações americanas na África como
parte de uma "reacção americana integrada". Nesta disputa económica pelos
recursos petrolíferos da África as antigas potências coloniais, Grã-Bretanha e
França, estão em competição com os Estados Unidos. Militarmente, entretanto,
elas estão a trabalhar estreitamente com os Estados Unidos para assegurar o
controle imperial ocidental da região.
A preparação militar americana em África é muitas vezes justificada como
necessária para combater o terrorismo e para conter a instabilidade crescente na
região petrolífera da África sub-saariana. Desde 2003 o Sudão tem sido
dilacerado pela guerra civil e pelo conflito étnico centrado na sua região
sudoeste de Darfur (onde está localizada grande parte do petróleo do país),
resultando em inumeráveis violações de direitos humanos e matanças em massa da
população da região por forças de milícia ligadas ao governo. Tentativas de
golpe verificaram-se recentemente nos novos petro-estados de São Tomé e Príncipe
(2003) e Guiné Equatorial (2004). O Chad, que é dirigido por um regime
brutalmente opressivo protegido por um aparelho de segurança e de inteligência
apoiado pelos Estados Unidos, também experimentou uma tentativa de golpe em
2004. Um golpe com êxito têve lugar na Mauritânia em 2005 contra o homem forte
Ely Ould Mohamed Taya, apoiado pelos EUA. As três décadas de guerra civil em
Angola — instigada e alimentada pelos Estados Unidos, os quais junto com a
África do Sul organizaram o exército terrorista da UNITA de Jonas Savimbi —
perdurou até o cessar fogo que se seguiu à morte de Savimbi em 2002. Na Nigéria,
o país hegemónico na região, está generalizada a corrupção, revoltas e roubo
organizado de petróleo, com consideráveis porções da produção petrolífera na
região do Delta do Níger a serem trasfegadas — mais de 300 mil barris por dia no
princípio de 2004. [16] O ascenso da insurgência armada no Delta do Níger e o
potencial de conflito entre o norte islâmico e o sul não-islâmico do país é uma
grande preocupação americana.
Portanto, há apelos incessantes e nenhuma falta de justificações aparentes para
"intervenções humanitárias" americanas na África. O relatório More than
Humanitarianism do Council on Foreign Relations insiste em que "os Estados
Unidos e seus aliados devem estar prontos para tomar a acção apropriada" em
Darfur, no Sudão, "incluindo sanções e, se necessário, intervenção militar, se o
Conselho de Segurança estiver bloqueado de assim proceder". Enquanto isso, a
noção de que os militares americanos podem dentro em breve precisar intervir na
Nigéria está a ser amplamente divulgada entre peritos e em círculos políticos.
Jeffrey Taylor, correspondente do Atlantic Monthly, em Abril de 2006 disse que a
Nigéria tornou-se "o maior estado fracassado sobre a Terra", e que uma nova
desestabilização daquele estado, ou sua tomada por forças radicais islâmicas,
poria em perigo "as abundantes reservas de petróleo que a América prometeu
proteger. Se este dia chegasse, ele anunciaria uma intervenção militar de longe
mais maciça do que a campanha iraquiana". [17]
Mais ainda: grandes estrategas americanos esclarecem que as questões reais não
são os próprios estados africanos e o bem estar das suas populações mas sim o
petróleo a crescente presença da China na África. Como observou o Wall Street
Journal em "Africa Emerges as a Strategic Battlefield", "a China tornou a África
uma linha de frente na sua busca de mais influência global, triplicando o
comércio com o continente para uns US$ 37 mil milhões ao longo dos últimos cinco
anos e retendo activos energéticos, fechando acordos comerciais com regime como
o do Sudão e educando futuras elites da África em universidades e escolas
militares chinesas". Em More than Humanitarianism, o Council on Foreign
Relations descreve a ameaça principal como vindo da China: "a China alterou o
contexto estratégico na África. Em toda a África de hoje a China está a adquirir
controle de activos de recursos naturais, a ultrapassar empreiteiros ocidentais
em grandes projectos de infraestrutura e a proporcionar empréstimos suaves e
outros incentivos para fortalecer sua vantagem competitiva". [18] A China
importa da África mais de um quarto do seu petróleo, primariamente de Angola,
Sudão e Congo. Ela é o maior investidor estrangeiro no Sudão. Está a fornecer
subsídios pesados à Nigéria para aumentar sua influência e tem estado a vender
ali jactos de combate. O mais ameaçador do ponto de vista dos grandes estrategas
americanos é o empréstimo a Angola de US$ 2 mil milhões a juros baixos em 2004,
o qual permitiu a Angola resistir às exigências do FMI de reestruturar sua
economia e sociedade de acordo com linhas neoliberais.
Para o Council on Foreign Relations, tudo isto constitui nada menos que uma
ameaça ao controle imperialista ocidental da África. Dado o papel da China, o
relatório do Conselho diz que "os Estados Unidos e a Europa não podem considerar
a África sua chasse gardé [terreno privado de caça], como os franceses outrora
encaravam a África francófona. As regras estão a mudar pois a China procura não
só ganhar acesso a recursos como também controlar a produção e distribuição de
recursos, a posicionar-se talvez para o acesso prioritário aos mesmos quando se
tornarem mais escassos". O relatório do Conselho sobre a África está tão
preocupado em combater a China através da expansão de operações militares
americanas na região que nada menos que Chester Crocker, antigo secretário de
Estado assistente para assuntos africanos na administração Reagan, enfada-se
alto e bom som: "tristemente nostálgico de uma era em que os Estados Unidos ou o
Ocidente eram as únicas grandes influências e podiam perseguir seus objectivos à
vontade ". [19]
O que é certo é que o império americano está a ser ampliado para abarcar partes
da África na busca voraz de petróleo. Os resultados poderiam ser devastadores
para os povos da África. Tal como a antiga disputa pela África, esta nova é uma
luta entre grandes potências por recursos e pilhagem — não pelo desenvolvimento
da África ou o bem estar da sua população.
UMA GRANDE ESTRATÉGIA DE ALARGAMENTO
Apesar do rápido evoluir do contexto estratégico e da mudança para um
imperialismo mais nu nos últimos anos, há uma consistência na grande estratégia
imperial americana, a qual decorre do acordo amplo no topo extremo da estrutura
de poder americana de que os Estados Unidos deveriam procurar "supremacia
global" como afirmou o antigo conselheiro de segurança nacional do presidente
Jimmy Carter, Zbigniew Brzezinski. [20]
O relatório de 2006 do Council on Foreign Relations, More Than Humanitarianism,
que apoia o alargamento da grande estratégia americana para a tomada da África,
foi co-presidido por Anthony Lake, conselheiro de segurança nacional de Clinton
de 1993 a1997 e Christine Todd Whitman, antiga responsável do Environmental
Protection Agency sob Bush. Como conselheiro de Clinton Lake desempenhou um
papel importante na definição da grande estratégia americana naquela
administração. Num discurso intitulado "Da contenção ao alargamento",
apresentado na Escola de Estudos Avançados Internacionais na Universidade Johns
Hopkins em 21 de Setembro de 2003, ele declarou que com o colapso da União
Soviética os Estados Unidos constituíam "a potência dominante ... temos os
militares mais fortes do mundo, a maior economia e a mais dinâmica sociedade
multiétnica ... Contivemos uma ameaça global às democracias de mercado, agora
deveríamos procurar alargar o seu alcance. A sucessora de uma estratégia de
contenção deve ser uma estratégia de alargamento". Traduzido, isto significa uma
expansão da esfera do capitalismo mundial sob a protecção estratégica militar
americana. Os principais inimigos desta nova ordem mundial foram caracterizados
por Lake como "estados em retrocesso", especialmente o Iraque o Irão. A
insistência de Lake, no princípio da era Clinton, numa grande "estratégia de
alargamento" para os Estados Unidos está a ser realizada hoje com a ampliação do
papel dos militares americanos não só na Ásia Central e no Médio Oriente como
também em África". [21]
A grande estratégia imperial americana é menos um produto de políticas geradas
em Washington por esta ou aquela ala da classe dominante do que um resultado
inevitável da posição de poder que o capitalismo americano descobre em si no
princípio do século XXI. A força económica americana (juntamente com a dos seus
aliados mais próximos) tem estado a declinar de um modo razoavelmente constante.
As grandes potências provavelmente não manterão economicamente a mesma relação
entre si duas décadas a partir daqui. Ao mesmo tempo o poder militar americano
aumentou relativamente com o fim da União Soviética. Os Estados Unidos agora
representam cerca da metade de toda a despesa militar do mundo — uma proporção
duas ou mais vezes [maior] do que a sua participação no produto mundial.
O objectivo da nova grande estratégia imperial dos EUA é utilizar esta fortaleza
militar sem precedentes a fim de impedir a emergência de forças históricas
através da criação de uma esfera de domínio de espectro amplo, agora abarcando
todos os continentes, de modo a que nenhum rival potencial seja capaz de
desafiar os Estados Unidos nas próximas décadas. Isto é uma guerra contra os
povos da periferia do mundo capitalista e pela expansão do capitalismo mundial,
particularmente do capitalismo americano. Mas é também uma guerra para assegurar
um "Novo Século Americano" no qual os países do terceiro mundo são vistos como
"activos estratégicos" dentro de uma luta geopolítica global mais ampla.
As lições da história são claras: tentativas de ganhar o domínio do mundo por
meios militares, embora inevitáveis sob o capitalismo, estão destinadas a
fracassar e só podem conduzir a novas e maiores guerras. É da responsabilidade
daqueles comprometidos com a paz mundial resistir à nova grande estratégia
imperial dos EUA pondo em causa o imperialismo e a sua principal raiz económica,
o próprio capitalismo.
* Editor da Monthly Review. Seu livro mais recente é Naked Imperialism: The U.S.
Pursuit of Global Dominance (New York: Monthly Review Press, 2006).
Este artigo é uma versão actualizada e revista de uma palestra apresentada no
Fórum Social Mundial em Bamako, Mali, em 20/Janeiro/2006.
Notas
1- Os pontos de vista de Haass são explorados por John Bellamy Foster em
"'Imperial America' and War," Monthly Review 55, no. 1 (May 2003): 1–10; Project
for the New American Century, Rebuilding America's Defenses (September 2000),
http://www.newamericancentury.org/ .
2- Stephen Peter Rosen, "The Future of War and the American Military," Harvard
Magazine 104, no. 5 (May–June 2002): 29–31.
3- John Lewis Gaddis, "A Grand Strategy of Transformation", Foreign Policy (November/December
2002): 50–57.
4- Clausewitz citado em Paul Kennedy, ed., Grand Strategies in War and Peace (New
Haven: Yale University Press, 1991), 1.
5- Edwin R. Earle, ed., Makers of Modern Strategy (Princeton: Princeton
University Press, 1948); B. H. Liddel Hart, Strategy (New York: Praeger, 1967);
Kennedy, ed., Grand Strategies, 1–4.
6- James J. Hentz, ed., The Obligation of Empire: United States' Grand Strategy
for a New Century (Lexington, Kentucky: University of Kentucky Press, 2004).
7- Ivo H. Daalder & James M. Lindsay, America Unbound (Hoboken, New Jersey: John
Wiley and Sons, 2005), 4–5, 40–41, 194.
8- V. I. Lenin, Imperialism, the Highest Stage of Capitalism (New York:
International Publishers, 1939), 119.
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