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Salário mínimo e tática sindical
Altamiro Borges
Rebelión
"Estou propondo criar as condições para dobrar o poder aquisitivo do salário
mínimo em quatro anos. Não é muito e não vai pesar. Espero provar que o salário
mínimo tem que ser visto como renda e não como custo" (Luiz Inácio Lula da Silva,
revista IstoÉ, 02/10/2002).
Após um período de certa confusão e apatia, o sindicalismo juntou as suas forças,
botou o pé na estrada e conquistou uma vitória parcial com a decisão do governo
Lula de reajustar o valor do salário mínimo e de corrigir a tabela do Imposto de
Renda. A "marcha por um salário mínimo digno", que percorreu cerca de 45
quilômetros e reuniu 3 mil sindicalistas, sinalizou qual a melhor tática dos
movimentos sociais diante de um governo oriundo de suas lutas. Nem a passividade
chapa-branca nem o voluntarismo oposicionista! Diante da chantagem do "deus-mercado",
a justa pressão dos trabalhadores por novos rumos para o país!
Num gesto impensável nos tempos de FHC, na tarde de quarta-feira, dia 15, o
presidente Lula recebeu no Palácio do Planalto uma comissão de 30 sindicalistas
das seis centrais que organizaram a marcha – CUT, Força Sindical, CGT, CAT, CGTB
e SDS. Na ocasião, anunciou que pedirá ao Congresso que fixe no Orçamento de
2005 um salário mínimo de R$ 300,00 – o que representa um aumento real de 9,3%
em relação aos R$ 260,00 atuais, no maior reajuste do mínimo dos últimos anos.
Para surpresa dos presentes, ele antecipou também que pedirá a correção da
tabela do Imposto de Renda em 10% no próximo ano.
O resultado foi comemorado pelos presentes, mas as centrais se comprometeram a
manter a pressão pelo aumento do mínimo para R$ 320,00 e pela correção do IR em
17%. Agora, o movimento terá como alvo o Congresso, já que cabe aos
parlamentares definirem o orçamento. O presidente Lula ainda concordou com a
criação de uma comissão composta por sindicalistas, empresários, governos e
aposentados para elaborar uma proposta de recomposição do valor do salário
mínimo. O objetivo é evitar que esse debate ocorra, de forma hipócrita, somente
às vésperas do reajuste, esbarrando sempre nas barreiras do próprio orçamento.
Para Luiz Marinho, presidente da CUT, essa vitória parcial decorreu de uma ação
inteligente das centrais. "Decidimos não ficar assistindo mais uma vez a questão
do salário mínimo ser posta em segundo plano. Ano passado nós cometemos o erro
de não conseguir pautar esse debate e o governo disse que não tinha dinheiro no
orçamento para dar aumento maior. Pois bem: neste ano nos antecipamos e
decidimos discutir com vários ministros e parlamentares a peça orçamentária para
provar que há sim espaço para aumentar o valor do mínimo". Mas só essa sacada
não explica totalmente o resultado da audiência com o presidente.
A tênue retomada da economia e a postura democrática do governo Lula, além do
desgaste sofrido com o minguado reajuste do mínimo em maio passado e os revezes
colhidos nas eleições municipais de outubro, também contribuíram para essa
vitória parcial. Mas, de fato, ela só ocorreu porque o sindicalismo se uniu e
partiu para a briga. Se ficasse passivo, predominaria a lógica do mercado e a
"ortodoxia de galinheiro" que ainda dá as cartas na área econômica – como prova
o anúncio, no mesmo dia, do aumento dos juros. Com uma pauta positiva, não
caindo no discurso fácil do "Fora Lula", as centrais questionaram dogmas da
dupla Palocci-Meireles e obtiveram uma conquista parcial que estimula novas
lutas dos trabalhadores.
FASCISMO DE MERCADO
O debate sobre o mínimo e a correção do IR corroboram a existência de uma
titânica disputa de idéias no interior do governo e na sociedade. Nos bastidores
do Planalto, a área econômica monetarista e fiscalista procurou evitar ao máximo
o anúncio dessas medidas. Ela pretendia manter intocado o reajuste já fixado no
orçamento, que elevaria o mínimo para R$ 283,00, sob o surrado argumento do
risco de desajuste das contas públicas e da necessidade de preservar o elevado
superávit fiscal. No final, a decisão foi política e não tecnocrática e coube
diretamente ao presidente Lula, mais sensível aos reclamos da sua base social.
Entre os argumentos esgrimidos pela "quinta-coluna neoliberal" voltou à baila o
pretenso déficit de R$ 31 bilhões na Previdência Social – que é exatamente a
diferença entre o montante das contribuições diretas (R$ 91 bilhões) e o total
de gastos com os aposentados e pensionistas (R$ 122 bilhões). Novamente, ela
abusou da inteligência da sociedade e agrediu o artigo 195 da Constituição, que
estabelece que o caixa da Previdência deve também ser reforçado pela Cofins (que
deverá recolher R$ 75 bilhões nesse ano) e pela CSLL (que recolherá outros R$ 17
bilhões). "Portanto, a receita da seguridade social dobraria em 2004 para R$ 183
bilhões, sobrando dinheiro para elevar o salário mínimo bem acima da inflação"
[1].
Mas o bombardeio contra a política de valorização do trabalho e do consumo
interno não é obra apenas dos neoconvertidos do Planalto. Na verdade, expressa a
brutal pressão do capital financeiro num período em que impera o "fascismo de
mercado". Não é para menos que boa parte da mídia do capital criticou de
imediato o anúncio do governo e taxou o presidente Lula de "demagogo, populista
e irresponsável". Aqui vale a pena desmontar as pérolas de um economista do
mercado contra o reajuste do mínimo. "Aumentar o SM para R$ 300 no ano que vem
constituiria um erro tríplice", esbraveja Fabio Giambiagi [2].
Segundo o autor, que não esconde sua adoração ao "deus-mercado", esse reajuste
representaria um "ônus significativo para as contas públicas" – fato já
desmentido acima –, e "uma péssima sinalização acerca do comprometimento com a
austeridade fiscal, colocando assim em risco o esforço de construção de uma boa
reputação". Numa atitude reveladora da tática do capital, ele chega a lembrar
que em maio passado o presidente Lula "teve a coragem de se opor ao canto de
sereia de áreas do seu próprio partido e sustentar politicamente a postura do
ministro Palocci". Agora, afirma, ele estaria se dobrando "às teses populistas".
O terceiro argumento, porém, é o mais grotesco e deprimente. Numa típica atitude
do hedonista burguês, ele critica a existência de tributos para bancar a
seguridade social. Afinal, afirma, "quem recebe o salário mínimo no Brasil não
se localiza na extrema pobreza". Para ele, a carga tributária atual sustenta "pessoas
que nunca contribuíram e recebem o benefício assistencial". Se fosse um dos 7,4
milhões de trabalhadores brasileiros que recebem salário mínimo ou um dos
milhões de aposentados que vegetam com tal migalha, talvez não teria tantas
dúvidas e deixaria de bajular a elite que vive apartada nos condomínios
fechados.
No fundo, os tacanhos argumentos desse ideólogo revelam como pensa a opulenta
oligarquia na fase mais destrutiva e regressiva da história do capitalismo.
Também indicam como ela age diante do novo bloco de forças no Planalto – por um
lado, tenta enquadrar o governo Lula; por outro, faz chantagens e ameaças. A sua
pressão de classe é constante e violenta; muitas vezes escancarada e outras nos
bastidores; visa impor o "fascismo do mercado". Diante desse quadro, num cenário
ainda de correlação de forças adversa, a justa tática do sindicalismo consiste
em pressionar o governo Lula no rumo das mudanças. A vitória parcial dessa
semana contribui para reforçar esse movimento, estimulando ainda mais as lutas
dos trabalhadores.
* Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da
revista Debate Sindical e organizador do livro "A reforma sindical e trabalhista
no governo Lula" (Editora Anita Garibaldi).
NOTAS
1- Marcel Gomes. "Marcha por um salário mínimo digno pede R$ 320". Agência Carta
Maior, 14/12/04.
2- Fabio Giambiagi. "Salário mínimo de R$ 300, uma opção questionável". Jornal
Valor, 08/12/04.