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Latinoamérica

Entrevista a João Pedro Stédile, líder do MST

'Estado, como está, não ajuda o pobre'

Roldão Arruda
O Estado de S. Paulo

Para Stédile,se política econômica não mudar, do modo como é estruturado o Estado brasileiro pouco pode fazerpelos excluídos O economista João Pedro Stédile, a face mais conhecida do Movimento dos Sem-Terra (MST) e um dos principais formuladores de suas estratégias, prevê o recrudescimento das lutas contra a política econômica do governo de Luiz Inácio Lula da Silva em 2005. Segundo Stédile, "é uma política que aumenta a pobreza, aumenta a concentração de renda, aumenta o desemprego e, como conseqüência, agrava os problemas sociais".

O Estado brasileiro, adverte ele, "não está aparelhado para ajudar os pobres e, muito menos, para romper as estruturas injustas que existem na sociedade." Se a tual politica econômica do ministro Antonio Palocci não for alterada, diz ainda, "no ano que vem teremos a ampliação das lutas sociais." Na entrevista abaixo, Stédile explica como o MST pretende atacar o governo sem atingir a figura do presidente Lula, com quem pretende continuar a amizade que dura desde 1984, quando a organização foi criada.

O MST está se transformando num dos críticos mais ácidos da política econômica. Vai além de outros atores políticos, como a CUT e o PT, seus antigos aliados. Ogoverno, porém,nãodá sinal de que pretende mudar sua política. Isso poderá levar ao rompimento do MST com o governo?

Os partidos políticos é que se comportamemrelação aos governo como aliados ou oposição. O MSTéummovimento social e comotal deve se comportar com autonomiaemrelação a qualquer governo, ao Estado e aos partidos. Nós não somos situação nem oposição. Nossa relação com qualquer governo é de apresentar propostas para melhorar as condições de vida do povo e, em especial, de nossa base social. Vamos sempre criticar as políticas emedidas que, na nossa opinião, prejudicam os interesses do povo. Foi assim que nos comportamos nos governos anteriores, ao longo desses 20 anos. É assim que estamos nos comportando agora.

E a amizade do MST com o presidente Lula?

A única diferença agora é essa. O presidente e vários ministros eram nossos amigos antes de chegarem ao governo e continuam sendo. Mas amizade é uma coisa e ação governamental é outra.

A que oMST atribui as dificuldades do atual governo para executar o programa de reforma agrária que havia prometido?

Estamos diante de um governo de composição de forças políticas, em que há ministros de direita, de centro e de esquerda. Na nossa opinião, a reforma agrária está emperrada por dois motivos. O primeiro é que o Estado brasileiro não está aparelhado para ajudar os pobres e, muito menos, para romper as estruturas injustas que existem na sociedade. O segundo motivo é a atual política econômica, continuidade do neoliberalismo, como já foi dito pelo próprio ministro da Fazenda, Antonio Palocci.

Como definiria essa política?

Ela prioriza o superávit primário, as altas taxas de juros, o pagamento da dívida interna e o aumento das exportações. Ora, nós defendemos uma política econômica voltada para os interesses do povo. Precisamos distribuir renda, gerar emprego, desenvolver o mercado interno.A reforma agrária é apenas um instrumento para essa política. Defendemos o fim da atual política econômica porque ela é incompatível com a reforma agrária. De acordo com o que dizem e escrevem nos jornais os analistas da área econômica, sociólogos e cientistas políticos, é uma política que aumenta a pobreza, aumenta concentração de renda, aumenta o desemprego e, por conseqüência, agrava os problemas sociais.

Os movimentos sociais aumentarão a pressão sobre o governo?

Não temos dúvida: se não mudar a política econômica, no ano que vem teremos a ampliação das lutas sociais, do aumento de movimentos de massa. Todos os movimentos sociais vão aumentar suas atividades. Dias atrás, quando caiu o presidente do BNDES, Carlos Lessa, o senhor foi umdos primeiros a se manifestar em defesa dele. O MST amplia cada vez mais o seu leque de interesses, debatendo planos de desenvolvimento para o País, reformas educacionais, transgênicos, eleições. Para alguns líderes ruralistas, isso demonstra que o MST não quer a reforma agrária, mas o poder. As elites e seus intelectuais gostariam que os pobres só comessem e trabalhassem, deixando exclusivamente para eles o papel de pensar e discutir os problemas da sociedade. Os jornais explicitam todos os dias esse preconceito, segundo o qual cabe às elites pensar um projeto para o Brasil. Por esse viés, os movimentos de trabalhadores deveriam ser sempre corporativos e, de preferência, dominados por algum partido. Por outro lado, os pensadores das elites dizem que a luta pela terra perdeu o sentido, porque o Brasil não tem mais latifúndio e, pasmem, acabaram os sem-terra. Seria tudo invenção do MST. No fundo, não querem que os movimentos existam.

Mas como o sr. relaciona esse amplo espectro de interesses à reforma agrária?

A reforma agrária na atual situação do País não significa apenas distribuir terra. O que defendemos é uma reforma agrária de novo tipo. Uma reforma agrária que reestruture não só a propriedade da terra, mas reestruture a forma de produzir. É indispensável que a redistribuição de terra venha casada com um programa de implementação de agroindústrias e cooperativas nos assentamentos, a introdução de novas técnicas agrícolas. Defendemos a necessidade de democratização da educação, com escolas em todos os níveis para os jovens do campo e a valorização da cultura brasileira. Ora, um programa de reforma agrária desse tipo está involucrado com todo um projeto nacional de desenvolvimento.

É por isso que o MST se envolve com tantas questões?

Sim. São todas questões relacionadas com a necessidade de um novo projeto de desenvolvimento. Sugerimos que todos os movimentos sociais, não apenas o MST, debatam um novo projeto para o Brasil. É isso que deixa intrigada a elite e seusmeios de comunicação. Para eles, os pobres só existem para trabalhar para eles, não podem pensar ou discutir a sociedade.

Domingo, 28 de novembro de 2004