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Ciência em Dia
Um Chico Mendes para Mato
Grosso
Marcelo Leite
Agora, sim, o Brasil pode dormir tranqüilo. Chico Mendes foi declarado Herói da
Pátria. Será entronizado no Panteão da Pátria e da Liberdade, em Brasília, ao
lado de figuras como o marechal Deodoro e o duque de Caxias, mas também de
Tiradentes e de Zumbi.
Dezesseis anos depois de ter sido assassinado no Acre, por liderar "empates"
contra o desmatamento promovido por criadores de gado, ganha reconhecimento
oficialista para a notoriedade mundial que granjeara com a própria pele.
A condecoração é correlata da presença de sua companheira Marina Silva no
governo Lula, uma espécie de homenagem que o vício presta à virtude.
Foi também com o propósito de ficar bem na fita "ecológica" que Fernando Collor
nomeou ministro o incensado José Lutzenberger. Na prática, essas figuras
impolutas terminam imoladas no altar do pragmatismo governante, "de resultados"
-para o bolso ou para os bancos.
Se estivesse vivo e na ativa, Chico Mendes estaria hoje em Mato Grosso. O Estado
governado por Blairo Maggi, o Rei da Soja, foi responsável no último período
medido (2002-2003) por 44% do desmatamento em toda a Amazônia, ou 10,4 mil km2 -
quase dois distritos federais- de um total de 23,8 mil km2. Neste ano, já é o
recordista em pontos de queimada detectados por satélite. E isso no Estado da
Amazônia que tem o melhor sistema para monitorar desmatamentos...
Seria injusto culpar só o governo estadual, Maggi ou a soja por esse estado de
coisas. O dinamismo do agronegócio vai muito além das fronteiras matogrossenses,
tem ramificações até no crescimento parrudo da economia da China, com seu
apetite por soja e carne. Ou, ainda, na construção civil do Estado de São Paulo,
maior consumidor de madeiras amazônicas, cuja extração -muitas vezes ilegal- é o
primeiro elo da cadeia da devastação.
Os sojicultores se defendem dizendo, com razão, que é muito demorado e custoso
abrir florestas virgens para plantar. O usual é ocuparem áreas já abertas para
constituição de pastagens, como nos 350 km2 -de um total de 820 km2- que
proprietários anteriores haviam derrubado na Fazenda Tanguro, do Grupo Maggi, em
Querência (oeste do MT). Ocorre que a pecuária de corte também vive um ciclo de
expansão na Amazônia, turbinado pela demanda crescente no mercado internacional,
o que cria um incentivo perverso para aumentar o desmatamento.
Esse círculo expansionista do agronegócio na Amazônia - que traz divisas
essenciais para o Brasil, é bom lembrar- ganhou um reforço de monta, há coisa de
dez dias, do Banco Mundial (o assunto foi tema desta coluna há duas semanas).
Um financiamento de US$ 30 milhões para o Grupo Maggi capitanear a plantação de
800 km2 adicionais de soja em Mato Grosso está sendo aprovado pela IFC (International
Finance Corporation, braço do Bird para o setor privado) como uma atividade de
impacto ambiental médio (categoria B) e não alto (categoria A), como defendiam
várias organizações não-governamentais brasileiras.
O valor não é lá muito elevado, nem a área envolvida chega a alarmar, diante das
cifras de desmatamento. Mas é preciso ter em mente que se trata de apenas um
financiamento, para uma única empresa. O que importa é o precedente.
Nunca foi tão verdadeiro o dito de Galileu na peça de Bertolt Brecht: infeliz do
país que precisa de heróis.